quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Crime de Lesões Corporais


CRIME DE LESÕES CORPORAIS
Por Valfredo Teixeira

Lesão corporal
        Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
        Pena - detenção, de três meses a um ano.
        Lesão corporal de natureza grave
        § 1º Se resulta:
        I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
        II - perigo de vida;
        III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
        IV - aceleração de parto:
        Pena - reclusão, de um a cinco anos.
        § 2° Se resulta:
        I - Incapacidade permanente para o trabalho;
        II - enfermidade incurável;
        III perda ou inutilização do membro, sentido ou função;
        IV - deformidade permanente;
        V - aborto
             Pena - reclusão, de dois a oito anos.
        Lesão corporal seguida de morte
        § 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo:
        Diminuição de pena
        § 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
        Substituição da pena
        § 5° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis:
        I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior;
        II - se as lesões são recíprocas.
        Lesão corporal culposa
        § 6° Se a lesão é culposa: (Vide Lei nº 4.611, de 1965)
        Pena - detenção, de dois meses a um ano.
        Aumento de pena
        § 7º - Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 121, § 4º. (Redação dada pela Lei nº 8.069, de 1990)
        § 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.(Redação dada pela Lei nº 8.069, de 1990)
        Violência Doméstica (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004)
        § 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004)
        Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano. (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004)
        § 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço). (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004)


1. O QUE É?

Lesão corporal – é o dano causado ao corpo humano seja de ordem anatômica, fisiológica ou mental.

Em fim, é toda agressão que causa alteração anatômica, a saúde física ou mental de outrem.

1.2 SIGNIFICADO JURÍDICO DOS TERMOS

OFENDER – do latim offendere – v.tr., fazer mal a, lesar, ferir, prejudicar.

INTEGRIDADE CORPORAL – é a alteração anatômica do corpo humano como: ferimentos, fraturas, mutilações, equimoses etc.

SAUDE DE OUTREM – são as alterações de ordem fisiológicas ou a perturbação mental.


1.3 ESPÉCIES

A)    LESÕES CORPORAIS DE NATUREZA LEVE – é considerada por exclusão, isto é, quando não for grave nem gravíssima, ou seja, o agente simplesmente praticou o fato nos termos descritos no caput do artigo.


B)    LESÕES CORPORAIS DE NATUREZA GRAVE – são elementares acrescidas ao tipo normal previsto no caput que agravam a pena. É o chamado crime qualificado pelo resultado.

Pode ser chamado de crime preterdoloso, ou seja, dolo no inicio e culpa no resultado como nos seguintes casos: parágrafo 1º, inciso II (se da lesão houver perigo de vida, pois se for dolo mais dolo seria tentativa de homicídio); parágrafo 2º, inciso V (lesão com aborto, pois se for dolo mais dolo seria crime de lesões e crime de aborto)  e o parágrafo 3º (lesão corporal seguida de morte, senão seria homicídio).

Por outro lado, os incisos I, III e IV do parágrafo 1º e os incisos I, II, III e IV do parágrafo 2º são puníveis sejam os resultados qualificador doloso ou culposo.

I - INCAPACIDADE PARA AS OCUPAÇÕES HABITUAIS, POR MAIS DE TRINTA DIAS  quer dizer que a vítima devido à agressão sofrida ficou impossibilitada de voltar as suas atividades normais no sentido funcional e não econômico.

EXEMPLOS:

Passado trinta dias a vítima não conseguiu voltar normalmente a: ter lazer, trabalhar, recreação, asseio corporal etc.

Independe o fato de a vítima ser criança, enfermo, velho ou alienado mental. 

EXAME COMPLEMENTAR

A doutrina e a jurisprudência não chegaram a um consenso sobre a necessidade ou não do exame complementar. O fato é que o artigo 168 § 2º do Código de Processo Penal diz o seguinte: § 2o  Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, § 1o, I, do Código Penal, deverá ser feito logo que decorra o prazo de 30 (trinta) dias, contado da data do crime.

O verbo deverá não deixa dúvida sobre a necessidade do exame complementar, entretanto, somos contrários às opiniões e decisões que costuma inventar. Pois bem, decorrido o prazo de 30 dias da data do fato deve ser determinado o exame complementar. A pergunta é até quando? A verdade é que o sentido de “logo que decorra o prazo” pode ser considerado imediatamente ou dias depois.

Sabemos que nos casos do réu não estar preso o prazo para concluir o inquérito é de 30 dias e, transcorrido os trinta dias, o Delegado deve remeter o inquérito ao Ministério Público. Mesmo que o Delegado requeira prorrogação do prazo nos termos do art. 10, § 3º do CPP, o inquérito voltará a suas mãos muitos dias depois, daí é que fica a recomendação para que o senhor Delegado providencie o exame complementar com a cópia dos autos logo após expirar o prazo de trinta dias, independentemente de requerimento ou requisição.

Isto não quer dizer que se por acaso o exame for feito dias depois ou mesmo mês, ele possa ser considerado imprestável para fins da qualificadora, pois se dias depois a vítima não tinha condições de voltar as suas ocupações normais, muito menos tinha na época que expirou o prazo de trinta dias.

É necessário fazer o exame complementar no prazo correto porque se for feito depois os motivos da qualificadora podem ter deixado de existir.

II - PERIGO DE VIDA – aqui deve o perito fazer um diagnóstico e não um prognóstico, ou seja, deve ser avaliado o estado atual da vítima, pois como costumo dizer: o perigo espelha uma realidade ao tempo do atendimento médico e não é por causa da sede da lesão, mais sim, pelo estado latente de perigo existente por ocasião do exame. Deve o perito afirmar que devida agressão sofrida, a vitima passou por perigo de morte consistente em, por exemplo: haver necessidade de intervenção cirúrgica para salvar a vítima.
EXEMPLOS:

Perfuração no estômago; fratura no crânio; estado de choque com hemorragia; lesão no fígado etc.
    
III - DEBILIDADE PERMANENTE DE MEMBRO, SENTIDO OU FUNÇÃO
DEBILIDADE – é a redução ou o enfraquecimento da capacidade funcional.

PERMANENTE – quer dizer que a duração da debilidade é imprevisível.

MEMBROS – são partes do corpo, braços, pernas.

SENTIDO – é a capacidade de percepção como o paladar, visão, audição, tato, olfato.

FUNÇÃO – diz respeito aos órgãos específicos como, respiratório, circulatório, etc.

IV - ACELERAÇÃO DE PARTO:
Na verdade o termo é impróprio, pois somente pode ser acelerado aquilo que está em movimento, entretanto, aceleração de parto está no sentido de que a vítima em decorrência da agressão sofrida teve parto prematuro.

É necessário que o feto nasça com vida e sobreviva, senão o crime será de lesões corporais qualificado pelo resultado aborto (§ 2, V).

Também é exigido que o autor tenha conhecimento da gravidez.

C) – LESÕES CORPORAIS DE NATUREZA GRAVÍSSIMA – trata-se de divisão doutrinária, pois o código não faz diferença.

São dolosas ou preterdolosas as lesões previstas nos incisos I, II, III e IV enquanto a qualificadora do inciso V é somente preterdolosa.


I - INCAPACIDADE PERMANENTE PARA O TRABALHO

INCAPACIDADE PERMANENTE – quer dizer definitiva, não querendo dizer que tenha que ser perpétua, pois a incapacidade que se apresenta definitiva pode ocorrer que no tempo venha a ser recuperada, basta um prognóstico induvidoso da incapacidade permanente.

TRABALHO – abrange o exercício de qualquer atividade lucrativa, excluindo, portanto, as crianças, maiores de setenta anos.

  
II - ENFERMIDADE INCURÁVEL – é a doença que não existe cura na atualidade. O diagnóstico deve ser feito por peritos e levando em consideração os instrumentos existentes na época do fato. A doença é progressiva, ou seja, caminha para fim, sem esperança de cura em curto prazo.

  
     III PERDA OU INUTILIZAÇÃO DO MEMBRO, SENTIDO OU FUNÇÃO
PERDA – de extração ou amputação de membro ou quando cessa o sentido ou função.

INUTILIZAÇÃO – imprestabilidade do membro, sentido ou função.

   IV - DEFORMIDADE PERMANENTE
DEFORMIDADE – significa danos estéticos consideráveis, capazes de trazer constrangimento à vítima.

PERMANENTE – significa que a deformidade é irreparável. Não se exige que a vítima venha a se submeter à cirurgia corretiva, mais se fizer espontaneamente, não permanece a qualificadora. Também não exclui a qualificadora o fato da vítima disfarçar a cicatriz através de maquilagem. 
   
V – ABORTO – trata-se de crime preterdoloso em que a lesão é punida a título de dolo e a  morte do ovo, embrião ou feto a título de culpa, caso exista dolo quanto ao aborto será dois crimes o de lesões corporais e o de aborto.

D) LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE
Trata-se de crime preterdoloso em que a lesão é punida a título de dolo e a morte a título de culpa, caso exista dolo quanto à morte o crime será o de homicídio doloso.

Há casos em que requer um aprofundamento na investigação do fato para melhor tipificar a conduta, como por exemplo: o sujeito aplica uma bofetada no rosto de outrem que vem a cair e bater com a cabeça no chão e falece. Nesse caso, dependendo das circunstâncias, pode ser lesão corporal seguida de morte ou homicídio culposo. Se não houvesse a morte a bofetada seria contravenção penal prevista no artigo 21 ou lesões corporais prevista no artigo 129 do Código Penal? Se após a investigação processual se chegar à conclusão que era contravenção penal, estaremos diante de homicídio culposo, de outra forma será lesão corporal seguida de morte. Tudo vai depender do caso concreto. Indiferente penal, lesões corporais culposas ou contravenção com morte por imprudência, negligência ou imperícia é homicídio culposo; lesões corporais dolosas com morte por negligência ou imprudência é crime de lesões corporais seguida de morte. 

2. MEIOS DE EXECUÇÃO –

Admite qualquer meio de execução. É crime de ação livre.


3. QUEM PODE SER O AUTOR DO CRIME?

Pode ser qualquer pessoa. Trata-se de crime comum.


4. QUEM É A VÍTIMA

Qualquer pessoa, ressalvado os casos previstos no parágrafo 1º IV (aceleração de parto) e parágrafo 2º V (aborto) em que o sujeito passivo é somente a mulher.


5. MODALIDADE

O crime  de lesões corporais admite a modalidade dolosa, culposa e preterdolosa.


6. AÇÃO PENAL

Publica incondicionada (independe de condição) nos casos de lesão grave (§ 1º), gravíssima (§ 2º) e lesões corporais seguida de morte (§ 3º). Pública condicionada a representação nos casos de lesão leve ou culposa (art. 88 da lei 9.099/95).


7 – CRÍTICA

O crime de lesões corporais é um crime típico por excelência. Somos a favor da incriminação de todas as agressões corporais e graves ameaças. Lamentamos que o legislador tenha considerado o crime de lesões corporais leve como sendo um crime de ação pública condicionada (artigo 88 da lei 9.099/95) ensejando muitas decisões contraditórias, principalmente, quando ocorre a desclassificação de lesões graves para lesões leves, ocorrendo à decadência inexistente ou simplesmente a impunidade por falta de compromisso da vítima com a paz social. Andaria bem o legislador se revogasse o referido artigo.

 
Valfredo Teixeira é Promotor de Justiça aposentado, Advogado Criminalista e especialista em indenizações; mestre em sociologia; Doutor em Ciências jurídicas e sociais; Pós Doutor em Direito Penal; e Doutorando em Direito Penal.

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