quinta-feira, 16 de abril de 2020

Os abusos cometidos por Governadores e Prefeitos


     A respeito da decisão do STF em reconhecer a competência concorrente da União, estados e municípios no combate a COVID-19. Fazemos as seguintes observações. Inicialmente se trata de uma decisão contra legem, visto que, de acordo com o 3º, 9º[1] da lei 13.979/20, compete ao Presidente da República expedir decreto sobre serviços essenciais e nos demais casos compete ao Ministro da Saúde e aos secretários de saúde estaduais e municipais - artigo 3º[2], § 7º, I -pela União compete ao Ministro da Saúde baixar ato sobre a chamada pandemia e, no caso do estado compete ao  Secretário de Saúde desde que autorizado pelo Ministro da Saúde (art. 3º, §7º, inciso II) e no dos municípios nos casos que menciona(art. 3º, § 7º, inciso III[3].
     Ora, em nenhum momento a lei autoriza Governadores ou Prefeitos baixar decretos.
   Pois bem, como no Brasil o STF legisla, deixando de lado as leis regularmente votadas pelo Congresso Nacional e todos obedecem, mesmo sem concordar fazemos duas pontuações que reputamos importantes:
    Primeira – no dia 07 de abril de 2020 o Presidente do STF Dias Tofolli decidiu que as Edições de Prefeitos e Governadores devem ser embasadas em pareceres técnicos (A própria decisão cautelar, proferida pelo eminente Ministro Marco Aurélio, nos autos da ADI nº 6.341/DF, aborda a possibilidade da edição, por prefeito municipal, de decreto impondo tal ordem de restrição, mas sempre amparado em recomendação técnica da ANVISA. Fácil constatar, assim, que referido decreto carece de fundamentação técnica) e que a simples existência da pandemia não serve de justificativa para fechar empresas e comércios (não podendo a simples existência da pandemia que ora assola o mundo, servir de justificativa, para tanto) decisão abaixo:

     Segunda - outro ponto que chama atenção é o voto do Ministro Alexandre de Morais quando disse que cabe ao puder judiciário apurar os abusos. Como todos os decretos que analisei são recheados de abusos a Justiça vai ter muito trabalho.
   Por fim, na referida decisão o Ministro Fachin sugeriu a necessidade de dar interpretação conforme a Constituição ao paragrafo 9º do art. 3º da lei 13.979 que fala de a competência exclusiva do Presidente da república baixar decreto sobre serviços essenciais[4].
     Parece que não se trata de uma interpretação conforme a Constituição, mas sim, uma interpretação com força modificativa do texto da lei 13.979/20 que somente pode ser feita por outra lei, simples assim.

VALFREDO TEIXEIRA é Promotor de Justiça aposentado, Advogado, Professor de Direito Penal e Processo Penal, Mestre em Sociologia, Doutor em Ciências Jurídicas e Pos-Doutor em Direito Penal e Garantias Constitucionais.
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SUSPENSÃO DE SEGURANÇA 5.362 PIAUÍ REGISTRADO : MINISTRO PRESIDENTE REQTE.(S) :MUNICÍPIO DE TERESINA PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO DE TERESINA REQDO.(A/S) :RELATOR DO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0750162-82.2020.8.18.0000 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ ADV.(A/S) :SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS INTDO.(A/S) :AMBEV S.A. ADV.(A/S) :MARINA SAMPAIO GALVANI DECISÃO: Vistos. Cuida-se de suspensão de segurança, com pedido de liminar, proposta pelo Município de Teresina, contra decisão monocrática proferida pelo eminente Desembargador Raimundo Nonato da Costa Alencar, nos autos do Agravo de Instrumento nº 0750162- 82.2020.8.18.0000, em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (TJPI), que concedeu medida cautelar, para “AUTORIZAR o pleno funcionamento das atividades industriais da [AMBEV S.A.], a qual, do seu lado, fica obrigada a adotar e a cumprir as medidas estabelecidas no Decreto Estadual n. 18.902/20, sob pena de multa diária de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), até o limite de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais), em caso de descumprimento . O Município requerente alega, em síntese, que a decisão do TJPI “viola frontalmente a Constituição Federal, em especial o direito à saúde (art. 6º, CF/88), e a competência constitucional dos Municípios para legislar sobre saúde pública, (art. 23, II, CF/88), legislar sobre assuntos de direito local e suplementar a legislação federal e estadual no que couber, ocasionando graves riscos de lesão à ordem e à saúde pública, mormente no panorama atual de pandemia do COVID-19 e necessidade do isolamento da população como meio de não sobrecarregar os sistemas de saúdes locais.” (eDoc. 1, p. 2) Aduz que a execução do julgado constitui risco de lesão à ordem, à saúde, à economia e à segurança públicas, por subverter medida de restrição sanitária para impedir a disseminação do COVID-19. Pondera que, em se tratando de hipótese de calamidade pública, não se pode deixar a opção de adesão às ordens de confinamento ao livre arbítrio de cada qual, e que inúmeros atos normativos com disciplina semelhantes estão em vigência no país. É o relatório.
Decido.
Inicialmente, reconheço a competência desta Suprema Corte para a apreciação do pedido de suspensão, por estar em discussão a eventual legalidade da imposição de restrições ao direito de plena operação da empresa interessada e ao direito de ir e vir de cidadãos e residentes no município requerente, com fundamento em suposta prevalência do direito à saúde, previsto no artigo 196 da Constituição Federal. Diga-se, ainda, desde logo, que a possibilidade de suspensão, pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, de execução de decisões concessivas de segurança, de liminar e de antecipação dos efeitos de tutela contra o Poder Público, somente se admite quando presente a efetiva potencialidade de ocorrência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas; bem por isso, entende-se que as medidas de contracautela postas à disposição das pessoas jurídicas de direito público são excepcionais. Em prosseguimento, tem-se que a controvérsia em discussão nestes autos deriva de ação de mandado de segurança ajuizada contra o requerente, em que lhe foi imposta, em grau de recurso, ordem para  com o fito de permitir o retorno das atividades da empresa impetrante. O requerente defendeu a perfeita legalidade desse decreto, bem como seu poder em editá-lo e a regularidade com que procedeu ao assim fazer, em vista da notória presente situação de calamidade pública, em decorrência da disseminação do vírus causador do COVID-19. Por isso, defendeu a plena adequação da restrição que impôs, aduzindo que estaria essa em consonância com outras normas similares, recentemente editadas e que a suspensão de seus efeitos teria o condão de acarretar grave risco de lesão à ordem e à segurança públicas daquele município. Como já assentado por esta Corte, no limitado âmbito das suspensões, a apreciação de mérito só se justifica, e sempre de modo perfunctório, quando se mostre indispensável à apreciação do alegado rompimento da ordem pública pela decisão combatida. E, quanto a esse aspecto, tem-se que ligeira análise quanto à edição desse decreto demonstra que a realidade é diversa daquela descrita na petição inicial da presente contracautela. Nenhuma das normas então arroladas pelo requerente autoriza a imposição de restrições ao direito de ir e vir de quem quer que seja. Tampouco em âmbito federal, existe determinação semelhante, sendo certo que a Lei nº 13.979/20, determina, em seu artigo 3º, inciso VI, alínea “b”, possível restrição à locomoção interestadual e intermunicipal, que teria sempre o caráter de excepcional e temporária e sempre seguindo recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Assim, muito embora não se discuta, Assim, muito embora não se discuta, no caso, o poder que detém o chefe do executivo municipal para editar decretos regulamentares, no âmbito territorial de sua competência, no caso concreto ora em análise, para impor tal restrição à circulação de pessoas, deveria ele estar respaldado em recomendação técnica e fundamentada da ANVISA, o que não ocorre na espécie. A própria decisão cautelar, proferida pelo eminente Ministro Marco Aurélio, nos autos da ADI nº 6.341/DF, aborda a possibilidade da edição, por prefeito municipal, de decreto impondo tal ordem de restrição, mas sempre amparado em recomendação técnica da ANVISA. Fácil constatar, assim, que referido decreto carece de fundamentação técnica, não podendo a simples existência da pandemia que ora assola o mundo, servir de justificativa, para tanto. Não é demais ressaltar que a gravidade da situação por todos enfrentada exige a tomada de providências estatais, em todos as suas esferas de atuação, mas sempre através de ações coordenadas e devidamente planejadas pelos entes e órgãos competentes, e fundadas em informações e dados científicos comprovados. Bem por isso, a exigência legal para que a tomada de medida extrema, como essa ora em análise, seja sempre fundamentada em parecer técnico e emitido pela ANVISA. Na presente situação de enfrentamento de uma pandemia, todos os esforços encetados pelos órgãos públicos devem ocorrer de forma coordenada, capitaneados pelo Ministério da Saúde, órgão federal máximo a cuidar do tema, sendo certo que decisões isoladas, como essa ora em análise, que atendem apenas a uma parcela da população, e de uma única localidade, parecem mais dotadas do potencial de ocasionar desorganização na administração pública como um todo, atuando até mesmo de forma contrária à pretendida. Assim, a decisão regional atacada, ao coartar uma tal atitude estatal, não tem o condão de gerar os alegados riscos de dano à ordem públicoadministrativa, mas antes de preveni-los. Inviável, destarte, o acolhimento da pretensão deduzida através da interposição desta contracautela. Ante o exposto, nego segguimento à presente suspensão de segurança (art. 21, § 1º, do RISTF), prejudicada a análise do pedido de cautelar. Publique-se. Int.. Brasília, 7 de março de 2020. Ministro DIAS TOFFOLI.



[1]  9º  O Presidente da República disporá, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais a que se referem o § 8º.       

[2]Art. 3º  Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas: 
[3] § 7º  As medidas previstas neste artigo poderão ser adotadas:
I - pelo Ministério da Saúde;
II - pelos gestores locais de saúde, desde que autorizados pelo Ministério da Saúde, nas hipóteses dos incisos I, II, V, VI e VIII do caput deste artigo; ou
III - pelos gestores locais de saúde, nas hipóteses dos incisos III, IV e VII do caput deste artigo.

[4] § 8º  As medidas previstas neste artigo, quando adotadas, deverão resguardar o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais.
§ 9º  O Presidente da República disporá, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais a que se referem o § 8º.       


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