sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A Teoria das Janelas Quebradas.

Em 1982, um artigo publicado pelo cientista político James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George Kelling provocou um alvoroço no meio acadêmico. Seu estudo revolucionava a área criminal ao defender uma ligação causal entre desordem e criminalidade. O artigo atendia o nome de “The Police and Neighborhood Safety: Broken Windows” (A Polícia e a Segurança do Bairro: Janelas Quebradas, tradução livre) e defendia que uma pequena infração, quando tolerada pelo Estado, pode levar a um clima de impunidade maior, gerando caos suficiente para que crimes mais graves venham ocorrer.
O conceito de Broken Windows, ou Janelas Quebradas em tradução livre, que carrega o peso de nomear esta teoria, tem como início os experimentos provocados pelos pesquisadores norte-americanos. Em busca de respostas quanto à força catalisadora dos altos índices de criminalidade e se essas se inseriam na psicologia social, dois carros de nível popular, do mesmo modelo e cor, foram abandonados em duas diferentes regiões de classes distintas: um ficou em um local abastado e rico, e o outro em um bairro conhecido por seu histórico de violência e roubo. Ficou acertado que os carros ficariam por uma semana naquela situação, tempo esse suficiente para os escopos da pesquisa. Após uma semana, os pesquisadores encontram o carro localizado na região abastada intacto e sem nenhum dano; mas o outro, presente na região violenta, se encontrava completamente furtado, vandalizado e destruído. A experiência seria finalizada naquele momento, mas um deles sugestionou quebrar uma janela do carro intacto no bairro abastado e esperar mais uma semana para ver o que ocorreria. Passado alguns dias, eles retornaram ao local e encontraram o carro nas mesmas condições do outro, totalmente destruído e vandalizado. 
A partir dessa experiência com os carros, os pesquisadores deduziram que onde há um pequeno indício de que o Estado não se faz presente, ali haverá desordem, gerando consequentemente a criminalidade no meio da sociedade. A analogia da janela quebrada de um automóvel abandonado transmite a ideia de desamparo, descaso, e de desinteresse pela coisa. Uma janela quebrada passa aos demais a sugestão de que ali não há lei; não há a mão do Estado interferindo e cuidando do bem; não há um dono legítimo que tenha o direito de reivindicar e proteger a sua propriedade. Nas palavras de Benoni Belli:
“A metáfora das janelas quebradas funcionaria assim: se as janelas quebradas em um edifício não são consertadas, as pessoas que gostam de quebrar janelas assumirão que ninguém se importa com seus atos de incivilidade e continuarão a quebrar janelas.”
Portanto, onde há um desequilíbrio na ordem, haverá o caos. Ainda a titulo de exemplificação, apresentamos a ideia de uma comunidade onde vizinhos se conhecem muito bem e crianças são livres para andar e brincar pelos bairros. Eis que em algum dia uma propriedade é abandonada a seu próprio destino. Em pouco tempo aquela comunidade, antes pacífica, se transformaria, como Daniel Sperb Rubin ilustra no seu artigo, em uma selva assustadora. Ainda citando o autor, ele expõe a seguinte ilustração: 
“Uma propriedade é abandonada. O mato cresce. Uma janela é quebrada. Adultos deixam de repreender crianças e adolescentes desordeiros. Estas, encorajadas, tornam-se mais desordeiras. Então, famílias mudam-se daquela comunidade. Adultos, sem laços com a família, mudam-se para aquela comunidade. Adolescentes desordeiros começam a se reunir na frente da loja da esquina. O comerciante pede que se retirem. Eles recusam. Brigas ocorrem. O lixo se acumula. Pessoas começam a embriagar-se em frente aos bares. Um bêbado deita na calçada e lá permanece. A desordem se estabelece, preparando o terreno para a ascensão da criminalidade.”
Deste modo, a teoria e seus defensores acreditam que quando o individuo comete as chamadas pequenas faltas, como por exemplo, trafegar pelo acostamento das estradas ou utilizar atestado médico falso; e essas não são punidas em sua devida proporcionalidade, logo haverá um sentimento de impunidade crescente na consciência desse individuo, que passará a cometer delitos maiores e cada vez mais graves. Ou seja, os militantes da teoria das janelas quebradas defendem que se o Estado admite certas faltas como normais, a tendência é ocorrer uma evolução no grau desses delitos por parte de quem as comete. Os defensores da teoria das janelas quebradas acreditam ainda que se a repressão não consegue resolver tudo, ao menos ela é a arma principal na luta contra a criminalidade.
Luiz Flávio Borges D'Urso e Adriana Filizzola D'Urso, no seu artigo intitulado Pequenos delitos, grandes problemas e graves consequências, traça bem a ideia sobre como pequenas faltas são terríveis instrumentos influenciadores para o acontecimento de outras maiores no futuro: 
“Com a ideia errada de que “todo mundo faz”, alguns comportamentos — antiéticos e até criminosos— passam a ser praticados por alguns sem qualquer tipo de vergonha ou pudor. Para se coibir os grandes comportamentos errados, é preciso começar coibindo os pequenos. Assim, se faz necessário combater os pequenos delitos e, de alguma forma, educar a população para que não pratique condutas que atrapalham a convivência harmônica de toda a sociedade, [...]”
Rubin cita ainda no seu artigo que o estudo veio lançar os fundamentos da moderna política criminal americana que, em meados da década de noventa, foi implantada com tremendo sucesso em Nova Iorque, sob o nome de "Tolerância Zero", pelas mãos do republicano Rudolph Giuliani, diminuindo em números consideráveis os índices de criminalidade e assassinatos da cidade durante os seus dois mandatos como prefeito.
A Teoria das Janelas Quebradas foi um marco no estudo da criminologia, pois conforme Mariana Katsue Sakai expôs no seu artigo sobre o mesmo tema:
“A Teoria das Janelas Quebradas [...] inovou no estudo da criminalidade ao apontar que a relação de causalidade entre a criminalidade e outros fatores sociais, tais como a pobreza ou a "segregação racial", é menos importante do que a relação entre a desordem e a criminalidade. Dessa forma, não seriam somente fatores ambientais (mesológicos) ou pessoais (biológicos) que teriam influência na formação da personalidade criminosa, contrariando os estudos da criminologia clássica.”.
A uma primeira leitura, a Teoria das Janelas Quebradas soa como uma política extremista, repressiva e arrogante. Mas seus defensores asseguram que a sua finalidade é a prevenção da evolução de pequenos delitos para aqueles de grandes proporções que venham a se tornar incontroláveis. O argumento de que se deve combater a criminalidade violenta em detrimento a este tipo de criminalidade soa infundada uma vez que “criminalidade violenta é justamente resultado da falta de combate à desordem e aos pequenos delitos.” (RUBIN, 2003, v. 7). Claro que não se deve provocar uma generalização dos fatos, mas a verdade é que a teoria carrega em si fundamentos válidos para uma aplicação ativa por parte do Estado no que tange a aplicabilidade de sua manus contra pequenos delitos, desordem, subversão ou qualquer outro fator de incidência de eventuais transgressões graves. Obviamente, tudo dentro dos seus limites, para não haja excesso e deturpação do escopo principal da Teoria das Janelas Quebradas, qual seja, a prevenção de grandes delitos. 
E para finalizar este ensaio, deixo como reflexão uma frase do escritor alemão Thomas Kempis, que apesar de tê-la proferido há mais de quinhentos anos, seu teor continua atemporal:
“Quem não evita as pequenas faltas, pouco a pouco cai nas grandes.”

Referências Bibliográficas:

ALVES, Nicolas Dourado Galves; DURAN, Laís Batista Toledo. A Serendipidade e a Teoria das Janelas Quebradas. Etic - encontro de iniciação científica - ISSN 21-76-8498, v. 11, n. 11, 2015.
SAKAI, Mariana Katsue. Reflexões Sobre A Criminalidade No Brasil E A Teoria Das Janelas Quebradas. Disponível em:< http://www.boletimjuridico.com.br/m/texto.asp?id=4048>. Acesso em: 16 de jan. 2016.
BELLI, Benoni. Polícia, “tolerância zero” e exclusão social. Novos Estudos CEBRAP, v. 58, p. 157-71, 2000.
RUBIN, Daniel Sperb. Janelas quebradas, tolerância zero e criminalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano, v. 7, 2003.
ARAÚJO, Marcelo Cunha de; BRAGA, Rosalba Ludmila Alves. Polícia comunitária: uma proposta democrática possível para a segurança pública. De jure: revista jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, 2008.
Kassio Henrique Aires

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